Milhares de bocas torciam-se em um grito inumano.
O grito era feroz, agudo e grave ao mesmo tempo e parecia ecoar em centenas de tons diferentes. Nasri conseguia sentir todo o ódio, a fúria e a morte. Tudo era palpável e o corpo inteiro da humana tremia em resposta. Havia dor também. Nasri sentia os pulsos doerem, os ombros e as pernas também. As costas pareciam suportar o peso do mundo e a cabeça latejava com uma dor aguda, como se a lâmina de uma espada incandescente atravessasse o cérebro de Nasri.
Os olhos encaravam-na com fome. Centenas de pares deles, todos iguais, mas mão na forma. Todos tinham o mesmo brilho cinzento e maligno, fumaça enevoando das órbitas vazias para o breu ao redor deles para escorrer até o chão, cobrindo-o por completo e escondendo as raízes daquela criatura. O grito ainda reverberava ao redor, em um misto de vozes de velhos e crianças, homens e mulheres. Antes que Nasri pudesse pensar em qualquer coisa, as bocas tornaram a gritar. Por reflexo, a humana cobriu os ouvidos com as mãos pesadas e doloridas. Nasri reabriu os olhos e notou que os rostos se aproximavam... Lentamente os olhos cinzentos estavam cada vez mais próximos, devorando Nasri por dentro, consumindo sua alma e suas forças.
A humana desviou o olhar e virou a cabeça para baixo, para os próprios pés, e só então notou que não havia um chão. Nasri flutuava em uma névoa pálida e descobrir isso apenas fez a humana se sentir ainda mais exausta. Nasri sentia os vapores gelados entre seus pés, agarrando-se em suas coxas e joelhos, envolvendo sua cintura... Nasri entendeu que aquilo era a essências dos gritos, a visão de milhares de olhos famintos que desejavam se alimentar da alma da humana.
O desespero tomou Nasri. A humana desejou com todas as forças fugir dali, fugir daqueles olhos, fugir do grito... O grito ainda ecoava e parecia nunca ter um fim. Quando surgiu a sensação de que haveria um momento de silêncio, milhares de bocas torceram-se em um grito novamente, e a humana teve a impressão de ouvir a sua própria carne se rasgando, de sentir o sangue jorrar quente de suas veias e escorrer por sua pele. Outro grito, mais alto, mas dessa vez saia apenas de uma das bocas. Fúria, ódio e fome jorravam da boca negra repleta de dentes amarelos. Névoa escorria de seus olhos. Fria, densa. Nasri cobriu os ouvidos enquanto sentia uma dor intensa percorrer sua espinha; as mãos e os pés da humana latejavam com força e a cabeça de Nasri doía de tal forma que por um momento a humana pensou que desmaiaria.
Não, não poderia desmaiar aqui. Nasri seria consumida pela criatura, por milhares de olhos e bocas e estaria perdida para sempre. Uma casca vazia sem alma. Outra voz se uniu ao grito. Nasri sentiu as mãos se partirem, dedos rasgados até os ossos, que agora estavam em pedaços. A humana urrava de dor, mas não ouvia o som da própria voz. Tentou se levantar, mas tropeçou em si mesma e caiu. A névoa recebeu Nasri e a envolveu com um abraço gelado, entrando na boca e no nariz da humana, sufocando-a, queimando sua mão dilacerada e a carne rasgada.
Nasri tentou se levantar novamente, desesperada, mas não havia chão onde se apoiar e tudo o que a humana conseguiu fazer foi se contorcer debilmente. Tentou arrancar a névoa de dentro de si, mas as mãos da humana não conseguiam tocar o ar. Outra voz se uniu ao grito, e outra e mais uma. A cada nova voz, o grito e a dor pareciam aumentar em intensidade duas, cinco, dez vezes. Nasri deixou de sentir as mãos quando seus joelhos explodiram em sangue, ossos e carne. A violência dos urros eram insuportável e Nasri já não se importava. Quase não sentiu quando seu peito foi perfurado pelas próprias costelas e o que restava de suas coxas eram devoradas pela névoa faminta. Uma fome voraz e insaciável. O abraço gélido já se tornava agradável e Nasri não encontrava mais forças para resistir. Tudo o que queria era que a dor desaparecesse.
Então veio o súbito silêncio.
Uma brisa fria corria sobre o corpo de Nasri e o único som eram das folhas que farfalhavam nas copas acima da humana. Um arrepio estremeceu o corpo de Nasri, que abriu os olhos e tudo o que conseguiu ver, depois de se acostumar com a claridade, foi uma imensidão branca. Assustada, a humana se virou e se afastou apenas para entender que o branco não era nada além de um monte de neve onde ela estava deitada. Tocou o rosto, duro e gelado, e notou que ele estava úmido, assim como suas roupas e parte do cabelo.
Desorientada, Nasri se levantou devagar, equilibrou-se nas pernas doloridas e caiu de joelhos sobre a neve depois que uma cãibra atacou sua coxa. A humana deitou novamente e respirou. Não sabia onde estava, não sabia em que dia ou mês estava... Verdade seja dita, Nasri não se lembrava nem mesmo quem ela própria era. Deitada no chão de uma floresta desconhecida, Nasri tinha certeza apenas de seu nome e de que algo em si havia mudado; a humana apenas não sabia se para melhor ou pior. A certeza de que lembrava o próprio nome fez Nasri se sentir um pouco mais calma. Respirando fundo, a humana tornou a se levantar e olhou ao redor. Tudo o que via eram árvores, folhas e montes de neve em um dia que parecia ter acabado de nascer.
O grito era feroz, agudo e grave ao mesmo tempo e parecia ecoar em centenas de tons diferentes. Nasri conseguia sentir todo o ódio, a fúria e a morte. Tudo era palpável e o corpo inteiro da humana tremia em resposta. Havia dor também. Nasri sentia os pulsos doerem, os ombros e as pernas também. As costas pareciam suportar o peso do mundo e a cabeça latejava com uma dor aguda, como se a lâmina de uma espada incandescente atravessasse o cérebro de Nasri.
Os olhos encaravam-na com fome. Centenas de pares deles, todos iguais, mas mão na forma. Todos tinham o mesmo brilho cinzento e maligno, fumaça enevoando das órbitas vazias para o breu ao redor deles para escorrer até o chão, cobrindo-o por completo e escondendo as raízes daquela criatura. O grito ainda reverberava ao redor, em um misto de vozes de velhos e crianças, homens e mulheres. Antes que Nasri pudesse pensar em qualquer coisa, as bocas tornaram a gritar. Por reflexo, a humana cobriu os ouvidos com as mãos pesadas e doloridas. Nasri reabriu os olhos e notou que os rostos se aproximavam... Lentamente os olhos cinzentos estavam cada vez mais próximos, devorando Nasri por dentro, consumindo sua alma e suas forças.
A humana desviou o olhar e virou a cabeça para baixo, para os próprios pés, e só então notou que não havia um chão. Nasri flutuava em uma névoa pálida e descobrir isso apenas fez a humana se sentir ainda mais exausta. Nasri sentia os vapores gelados entre seus pés, agarrando-se em suas coxas e joelhos, envolvendo sua cintura... Nasri entendeu que aquilo era a essências dos gritos, a visão de milhares de olhos famintos que desejavam se alimentar da alma da humana.
O desespero tomou Nasri. A humana desejou com todas as forças fugir dali, fugir daqueles olhos, fugir do grito... O grito ainda ecoava e parecia nunca ter um fim. Quando surgiu a sensação de que haveria um momento de silêncio, milhares de bocas torceram-se em um grito novamente, e a humana teve a impressão de ouvir a sua própria carne se rasgando, de sentir o sangue jorrar quente de suas veias e escorrer por sua pele. Outro grito, mais alto, mas dessa vez saia apenas de uma das bocas. Fúria, ódio e fome jorravam da boca negra repleta de dentes amarelos. Névoa escorria de seus olhos. Fria, densa. Nasri cobriu os ouvidos enquanto sentia uma dor intensa percorrer sua espinha; as mãos e os pés da humana latejavam com força e a cabeça de Nasri doía de tal forma que por um momento a humana pensou que desmaiaria.
Não, não poderia desmaiar aqui. Nasri seria consumida pela criatura, por milhares de olhos e bocas e estaria perdida para sempre. Uma casca vazia sem alma. Outra voz se uniu ao grito. Nasri sentiu as mãos se partirem, dedos rasgados até os ossos, que agora estavam em pedaços. A humana urrava de dor, mas não ouvia o som da própria voz. Tentou se levantar, mas tropeçou em si mesma e caiu. A névoa recebeu Nasri e a envolveu com um abraço gelado, entrando na boca e no nariz da humana, sufocando-a, queimando sua mão dilacerada e a carne rasgada.
Nasri tentou se levantar novamente, desesperada, mas não havia chão onde se apoiar e tudo o que a humana conseguiu fazer foi se contorcer debilmente. Tentou arrancar a névoa de dentro de si, mas as mãos da humana não conseguiam tocar o ar. Outra voz se uniu ao grito, e outra e mais uma. A cada nova voz, o grito e a dor pareciam aumentar em intensidade duas, cinco, dez vezes. Nasri deixou de sentir as mãos quando seus joelhos explodiram em sangue, ossos e carne. A violência dos urros eram insuportável e Nasri já não se importava. Quase não sentiu quando seu peito foi perfurado pelas próprias costelas e o que restava de suas coxas eram devoradas pela névoa faminta. Uma fome voraz e insaciável. O abraço gélido já se tornava agradável e Nasri não encontrava mais forças para resistir. Tudo o que queria era que a dor desaparecesse.
Então veio o súbito silêncio.
Uma brisa fria corria sobre o corpo de Nasri e o único som eram das folhas que farfalhavam nas copas acima da humana. Um arrepio estremeceu o corpo de Nasri, que abriu os olhos e tudo o que conseguiu ver, depois de se acostumar com a claridade, foi uma imensidão branca. Assustada, a humana se virou e se afastou apenas para entender que o branco não era nada além de um monte de neve onde ela estava deitada. Tocou o rosto, duro e gelado, e notou que ele estava úmido, assim como suas roupas e parte do cabelo.
Desorientada, Nasri se levantou devagar, equilibrou-se nas pernas doloridas e caiu de joelhos sobre a neve depois que uma cãibra atacou sua coxa. A humana deitou novamente e respirou. Não sabia onde estava, não sabia em que dia ou mês estava... Verdade seja dita, Nasri não se lembrava nem mesmo quem ela própria era. Deitada no chão de uma floresta desconhecida, Nasri tinha certeza apenas de seu nome e de que algo em si havia mudado; a humana apenas não sabia se para melhor ou pior. A certeza de que lembrava o próprio nome fez Nasri se sentir um pouco mais calma. Respirando fundo, a humana tornou a se levantar e olhou ao redor. Tudo o que via eram árvores, folhas e montes de neve em um dia que parecia ter acabado de nascer.